“Irmãos, uni-vos! – Pastores evangélicos criam sindicato e cobram direitos trabalhistas das Igrejas.” Esse, o título da matéria, chocante, publicada pela revista Veja de 9 de junho de 1999, anunciando a formação do Sindicato dos Pastores Evangélicos do Brasil.
Foi a gota d’água! Ao ler a matéria acima finalmente me dei conta de que o termo “evangélico” perdeu, por completo, seu conteúdo original. Ser evangélico, pelo menos no Brasil, não significa mais ser praticante e pregador do Evangelho ( boas novas ) de Jesus Cristo, mas a condição de membro de um segmento do Cristianismo, com cada vez menor relacionamento histórico com a Reforma Protestante – o segmento mais complicado, controverso, dividido e contraditório do Cristianismo. O significado de ser pastor evangélico, então, é melhor nem falar, para não incorrer no risco de ser grosseiro.
Não quero mais ser evangélico! Quero voltar para Jesus Cristo, para a boa notícia que Ele é e ensinou. Voltemos a ser adoradores do Pai, porque, segundo Jesus, são estes os que o Pai procura e não por mão de obra especializada ou por profissionais da fé. Voltemos à consciência de que o caminho, a verdade e a vida é uma pessoa e não um corpo de doutrinas e/ou tradições, nascidas da tentativa de dissecarmos Deus; de que, estar no caminho, conhecer a verdade e desfrutar a vida é relacionar-se intensamente com essa pessoa: Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus vivo. Quero os dogmas que nascem desse encontro; uma leitura bíblica que nos faça ver Jesus Cristo, e não uma leitura bibliólatra. Não quero a espiritualidade que se sustenta em prodígios, no mínimo discutíveis, e sim, a que se manifesta no caráter.
Chega dessa “diabose”! Voltemos à graça, à centralidade da cruz, onde tudo foi consumado. Voltemos à consciência de que fomos achados por Ele, que começou em cada filho Seu algo que vai completar; voltemos às orações e jejuns, não como fruto de obrigação ou moeda de troca, mas como namoro apaixonado com o Ser amado da alma resgatada.
Voltemos ao amor, à convicção de que ser cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nos mesmos; voltemos aos irmãos, não como membros de um sindicato, de um clube, ou de uma sociedade anônima, mas como membros do corpo de Cristo. Quero relacionar-me com eles como as crianças relacionam-se com os que as alimentam, em profundo amor e senso de dependência; quero voltar a ser guardião de meu irmão e não seu juiz. Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor, dessedenta na sede, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome “meu” mas o pronome “nosso”.
Para que os títulos: pastor, reverendo, bispo, apóstolo; o que estes significam se todos são sacerdotes? Quero voltar a ser leigo. Para que o clericalismo? Voltemos, sendo servos uns dos outros, aos dons do corpo que correm soltos e dão o tom litúrgico da reunião dos santos; ao “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu lá estarei” de Mateus 18:20. Que o culto seja do povo e não dos dirigentes – chega de show! Voltemos aos presbíteros e diáconos, não como títulos mas como função: os que, sob unção da igreja local, cuidam da ministração da Palavra, da vida de oração da comunidade e para que ninguém tenha necessidade, seja material, espiritual ou social. Chega de ministérios megalômanos onde o povo de Deus é mão de obra ou massa de manobra!
Para que os templos, o institucionalismo, o denominacionalismo? Voltemos às catacumbas, à igreja local. Por que o pulpitocentrismo? Voltemos ao "instruí-vos uma aos outros” (Cl. 3:16).
Por que a pressão pelo crescimento? Jesus Cristo não nos ordenou a ser uma Igreja que cresce, mas uma Igreja que aparece: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mt.5:16). Vamos anunciar com nossa vida, serviço e palavras “todo o Evangelho ao homem... a todos os homens”. Deixemos o crescimento para o Espírito Santo, que “acrescenta dia a dia os que haverão de ser salvos”, sem adulterar a mensagem.
Chega dos herodianos, que vivem a namorar o poder, a vender a si e as ovelhas ao sistema corrupto e corruptor; voltemos à escola dos profetas que denunciam a injustiça e apresentam modelos de vida comunitária. Chega de corporativismo, onde todo mundo sabe o que acontece mas ninguém faz nada; voltemos ao confronto, como o de Paulo a Pedro (Gl.2:11) que dá oportunidade ao arrependimento e aperfeiçoa, como “o ferro afia o ferro” (Pv.27:17). Saiamos do “metodologismo”. Voltemos a “ser como o vento, que sopra como quer, se ouve a sua voz, mas não se sabe de onde vem e nem para onde vai” (Jo.3:8).
Não quero mais ser evangélico, como é entendido, hoje, neste país. Quero ser só cristão. Um cristão integral, segundo a Reforma e os pais da Igreja. Adorando ao Pai, em espírito e verdade, comungando, em busca da prática da unidade do “novo homem”, criado por Cristo à Sua imagem (Ef.2:15), e praticando a missão integral...
Texto de Ariovaldo Ramos